Madonna lançou recentemente o videoclipe para a música “Batuka”, com participação da Orquestra Batukadeiras oriunda de Portugal. Sua mensagem assombrosa e inspiradora surge nos primeiros segundos do vídeo:
“Batuque é um estilo de música criado por mulheres originárias de Cabo Verde, alguns dizem que seria o local de nascimento do tráfico de escravos.”
“Os tambores foram condenados pela Igreja e tirados dos escravos porque foram considerados um ato de rebelião. As mulheres continuaram cantando e dançando, e o Batuque vive até hoje.”
Como o somatório de cinismo e pouca intimidade de alguns críticos musicais resultou em desprezo pelo conhecimento, saindo em disparada para apontar a “pobreza” da composição em questão. O apreço pela ignorância e a vaidade se fez repetir, dessa vez de modo simbólico, o atraso histórico que tanto tentamos reparar. Então, acrescento eu:
“O mais fiel bilhete de identidade de Cabo Verde é a sua música”
– Frank Tenaille
Como um gênero musical, o Batuque é caracterizado por ter um ritmo andante, uma medida de 6/8 ou 3/4 e tradicionalmente é apenas melódico, ou seja, é apenas cantado, não tem acompanhamento polifônico. Quando comparado com os outros gêneros musicais de Cabo Verde, o batuque tem uma estrutura de chamada e resposta, e é o único gênero que é polirrítmico. Na verdade, analisando o ritmo, descobre-se que é um ritmo de 3 batidas ao longo de um ritmo de 2 batidas.
A expressão musical que num passado não tão distante representava força, logo passou a florescer de suas raízes a poesia, religião e identidade compartilhadas pelos países falantes da mesma língua, incluindo o Brasil. Os navios negreiros de outrora, carregados de dor e lamentos, tornaram-se meras miragens distantes no compasso das mãos que se dão. Uma cultura mais sólida que as madeiras nobres, ainda assim, as velhas miragens teimam em nos assombrar.
Claridade, Revista de Artes e Letras, representou um marco fundamental na cultura cabo-verdiana. Entre 1936 e 1960, de maneira assistemática, foram publicados nove números do periódico: dois em 1936; um em 1937; dois em 1947; um em 1948; um em 1949; um em 1958 e um último em 1960.
Que a clareza continue a iluminar com sua vela o cômodo sombrio da ignorância.
“ouvi este som dolente
repercutindo a saudade da minha alma
às minhas almas ancestrais
dos degredados e negreiros
A morna é um crepúsculo de lágrima
desta súbita e antiga recordação […]
O funaná é uma remota e dolorosa saudade
de outros horizontes
e nele circulam o negro e o
negreiro no imenso rio da farsa sobre a ilhaEia estrangeiros
ouvi ainda
o batuque, o cola, a coladeira,
o landum oh a música da tabanka.”– José Luís Hopffer Almada
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Material de consulta:
Echoes of Cape Verdean Identity: Literature and Music in the Archipelago (Simone Caputo Gomes, 2003);
A revista Claridade e o discurso freyreano: regionalismo e aproximação entre a elite letrada cabo-verdiana e a metrópole portuguesa nos anos 1930 (Thiago Mio Salla, 2014).