Olá, pessoal, aqui é o Brave Sound Drop It (HEY!) emprestando o espaço deste blog novamente. Hoje, para trazer um texto que admito que talvez fique um tanto confuso e talvez diga muita coisa errada; fica a critério de vocês definirem isso.
Antes do tema do texto, uma introdução: desde que conheci esta blogosfera, já perdi a conta do número de cantores, grupos e bandas que descobri e passei a amar por meio de indicações da Carla (aqui do Whatever Music Basement), do Lunei (do atual Miojo Pop), do Dougie (do atual PopAsiático.jpg), do Wendell (do O Gosto Meu), do Guilherme (do Palpites Alheios), de Sowon Xiita (do Asia on Fire) e de blogueiros que desapareceram, como o Bruno do eterno Asian Mixtape e a Tássia do E Aí Surgiu o K-Pop (que talvez tenha sumido com medo dos meus setenta e poucos comentários num mesmo artigo dela… foi mal, Tássia, a obsessão em comentar o loonaverso é mais forte do que eu).
O caso mais recente nessa linha de indicações foi a cantora nipo-britânica Rina Sawayama, que lançou este ano seu primeiro álbum, Sawayama. Que além de ser o melhor álbum que eu já ouvi este ano (desculpa aí, Fiona Apple, seu álbum também é ótimo), também é o melhor que eu ouvi em muito, muito tempo (e olha que eu ouvi bastante coisa). Quem quiser saber mais sobre esse trabalho dela pode ler aqui e também aqui. O single atual dela, XS (levei horas até entender que o nome enigmático era só uma forma diferentona de dizer “excess”), é uma mistura deliciosa de pop e R&B que remete à Pink na época que ela ainda tinha cabelo rosa, com uma letra sensacional criticando a sociedade capitalista e algumas de suas características mais perniciosas como o consumismo e a superficialidade (tanto a música como seu vídeo são bem analisados aqui).
Mas não é sobre XS que pretendo falar, nem sobre a dançante e divertida Comme Des Garçons, música que ganhou certo destaque no Brasil quando foi anunciado que Rina lançaria um remix dela com participação de Pabllo Vittar (e que ficou incrível, por sinal; as vozes das duas casaram excepcionalmente bem). Não, o ponto de partida (já nem tão partida assim, vendo todo o textão aí em cima) para o texto é STFU!.
Sigla para “shut the fuck up!” (ou “cale a porra da sua boca!”), STFU! tem mudanças bastante surpreendentes, passando a maior parte do tempo como um rock pesado que inesperadamente dá lugar a um vocal quase entediado e frustrado no refrão, seguido por um pós-refrão que parece uma cantiga de ninar (não fosse essa “cantiga” dizer “Já pensou em botar uma fita adesiva na sua boca? Porque eu já pensei nisso muitas vezes”).
O videoclipe, antes de dar início à música, mostra um encontro de Rina com um cara que… bem, que se mostra um verdadeiro babaca, falando com ela como se toda a pessoa dela fosse resumida em “ser asiática”, além de basear todo seu “conhecimento” sobre cultura oriental em estereótipos, falar como se entendesse mais do assunto do que sua acompanhante e sequer saber diferenciar as atrizes Lucy Liu (estadunidense de origem chinesa) e Sandra Oh (canadense de origem coreana). Esse contexto indica assim o motivo para o “STFU!”.
Mas uma parte da música, que se encaixa no contexto do videoclipe, porém abre espaço para outras reflexões, me deixou pensando: “Como é que você não espera que eu estoure quando estou irritada? (…) Como é que você não me respeita, esperando fantasias?”. No contexto do vídeo, as fantasias são as projeções que o cara faz sobre Rina, vendo ela como um compilado dos estereótipos de asiáticos, em vez de vê-la pelo que ela é em sua complexidade como ser humano. Mas embora o caso das projeções dele seja evidentemente escancarado e ofensivo, está longe de ser o único.
Vocês já devem ter se encontrado nos dois lados desse problema, não? Por vezes, tendo todo o seu ser reduzido a uma projeção que os outros fazem sobre você (nerd/otaku, puritano(a) ou promíscuo(a), sempre confiante ou um poço de insegurança, e por aí vai), que podem ser apenas uma parte do seu ser ou mesmo serem projeções completamente erradas, e pior: sentindo a pressão para se encaixar nessas projeções e recebendo a culpa das frustrações dos outros quando isso não acontece. É horrível, certo? Mas já pararam para pensar que, às vezes, talvez vocês façam exatamente o mesmo com outras pessoas?
Por alguma associação aleatória de lembranças, STFU! me fez relembrar do filme Garota Exemplar (a propósito, preparem-se para spoilers): embora Nick fosse um marido infiel, o que realmente incomodava Amy era que ele não se encaixava no seu ideal de um homem perfeito, assim como todas as pessoas que passaram por sua vida, o que leva a todas as tragédias da história. Isso tende a levar o público a se identificar com Nick e condenar a obsessão doentia de Amy com as projeções dela sobre os outros. Mas parando para pensar, a própria Amy também passou a vida tendo que se encaixar nas projeções que os outros faziam sobre ela: primeiro seus pais, depois Desi, e por fim o próprio Nick – bem longe das que ela fazia sobre ele, claro, mas o fato dele não conhecer absolutamente nada sobre os hábitos e sentimentos da própria esposa me fazem pensar que ele também escolhia ver apenas um recorte dela que atendia ao que ele pretendia ver.
Enfim, como dito no começo do texto, é possível que eu tenha apenas falado um monte de groselha, e se for o caso, peço desculpas e peço também que vocês comentem. Mas, na hipótese dessas reflexões parecerem aproveitáveis, acho que a mensagem é que é importante lutar contra nossos próprios pré-conceitos e estarmos abertos para conhecer e aceitar os outros como cada um realmente é. Parece ser da natureza do ser humano se apegar às próprias visões de mundo, mas, sempre que possível, vale a pena pelo menos pensar em “calar a porra da boca” e ouvir o outro lado.
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Por Fernando Saker, colaborador do Whatever Music Basement.
olha o Brave Sound
Não está tão aprofundado como a análise que você fez do álbum completo, mas espero que tenha gostado. E obrigado pela divulgação do artigo no seu blog!
Me identifiquei
Queria dizer que eu amo demais essas colaborações de vocês! e que eu amei esse clipe assim que a Beca me indicou ❤ toda a introdução dele é um tapa na cara mesmo.
Pior que a Rina fez um making of do vídeo e ela conta que a ideia tanto da música como do clipe veio de uma conversa que ela realmente teve com um cara numa festa de casamento…
Felizmente, no clipe foi tudo atuação mesmo, inclusive ela disse que o comediante que interpreta o cara babaca é muito legal na verdade.
Meu pai do céu…imagino o ódio internalizado que ela ficou, ainda bem que pode botar pra fora e se espressar, uma das muitas funções da arte aliás.