Numa tarde ordinária sinto um calor preencher meu peito, aquela sensação boa quando as pessoas recorrem à definição de “paz de espírito”, bem, comigo é o oposto. Essa sensação distinta sempre fora o prelúdio de algum massacre iminente, nunca sei o que é, mas meu corpo parece tentar me ajudar a vestir algum tipo de armadura para aguentar uma violência da qual não serei capaz de escapar. É inútil pedir por ajuda pois minha voz está fora do alcance dos demais, das outras milhares de vozes que pedem o mesmo. Estamos sozinhos quando não deveríamos e todas a minhas tentativas de contato falharam. Mesmo perdidos nesse vácuo turvo e sem sentido, ainda gritamos para sermos encontrados e compreendidos dado que nós mesmos nos colocamos em tal posição de isolamento inalcançável e impenetrável.
Seguimos então sem rumo até avistar uma muralha de proporções colossais e arquitetura engenhosa, ela fora feita para subir. Na minha solitária escalada começo a questionar se vale tanto a pena chegar ao topo, não existe nenhuma grande fortuna a me esperar ou nenhum prêmio de bravura a ser recebido. Estou cansada enquanto lembro daquela sensação no peito e agora compreendo: “você se preparou para a queda?” – esta é a única voz que ecoa em minha cabeça neste exato momento. Tento racionalizar toda a situação, se é que é possível cogitar razão em tal cenário improvável.
Quero acabar logo com isso, paciência nunca fora do meu feitio e como era de se imaginar, lá do topo não se chega nenhum lampejo ou solstício; apenas a mesma visão turva num mesclado de cinza e branco. Do outro lado não há nenhum tipo de engenharia que permita descer, agora é somente a queda. Enquanto caía, fiz a única pergunta que todos fariam: “para quê tudo isso?”.
Ao atingir o chão, senti todos os ossos do meu corpo estalarem e alguns perfuraram meu coração, pulmões e outros órgãos vitais. Não morri, mas também não podia me mover muito entre uma respiração pesada e outra que causava um pequeno intervalo naquela dor quase que insuportável. Todos os sinais que meu corpo me dera não valeram de nada, não existe armadura para esse tipo de coisa. Agora lembro dos que ficaram para trás, aqueles outros milhares de suspiros – a maioria decidiu que não valeria a pena e, sim, agora concordo com eles. Outra parte simplesmente ficou em algum lugar, perdida naquela imensidão vertical. Alguém mais pulou? Sim, disso tenho certeza. Uma coisa muito frustrante é perceber que as paisagens são as mesmas: o antes e o depois, o que já passou e o que estava por vir.
A verdade é que todos nós sabemos o que devemos fazer para tornar tudo mais simples. Insistimos em levantar muralhas à nossa volta, criamos labirintos impressionantes, cobrimos nossas vidas de misticismos e impomos aos outros que nos vejam através da máscara mais bela. Não deveria ser assim, mas por um motivo estúpido, é. Podem ser vários motivos e continuarão sendo igualmente estúpidos quando temos que fazer esse imenso esforço ao ponto de nos destroçarmos quase que por completo afim de uma proximidade mais real e humana. Não adianta pintar a palavra “amor” em um muro, pois continuará sendo apenas mais uma palavra escrita num muro qualquer.
“White horse
Roll forth
Bring me to where all of the memories fade
White horse
Come ashore
Guide this young bird to where our home was made.”