Ando pelo bairro sempre imaginando possíveis cenários, nenhum deles nunca vai corresponder com a realidade. Penso estar conversando com alguém que nunca vi pessoalmente nem nunca verei, penso também estar falando outros idiomas que nunca aprenderei.
Então os cenários começam a colidir, ouvi uma voz distante chamando meu nome e era meu vizinho indo ao mercado; cumprimentei de volta e segui o trajeto. Eu não estava ali. Quando ando por aí não estou em nenhum lugar além dos cenários, porque olhar ao redor faz a cabeça doer e o corpo adoecer. Olhos lacrimejando somente é solidão. O entendimento de que minha vida não foi, não é e não será como desejei me coloca dentro de mim.
Cotidiano: olha lá, mataram mais um na Vila São Miguel, roubaram de novo o posto de gasolina, outra pessoa morreu de Covid. Sofrimento compartilhado. Chama a atenção de muita gente, Netflix aqui está em promoção. Todos vivem no ontem pois o amanhã, que esperam, nunca chega. Retratos com dizeres, rasgados, amassados que tornam-se mais uma bola de papel pelo chão de barro ou concreto. Ninguém escolhe viver num cenário desses, só restam os escapes ao modo de cada um. Se você parar e pensar bem, ninguém nunca esteve aqui.
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