Estou sonhando acordada ao mesmo tempo que passo por este cenário real — e, sim, sinto meu corpo estilhaçar por entre os quadros. Pois a paixão de viver padece na falta dum ombro para escorar a cabeça, mas o que fazer quando se é doente e enxerga coisas que ninguém mais vê? Ninguém me vê também. Muitos anos atrás eu quis pintar em todos os muros da cidade um trecho de Eugenio Montejo, que dizia algo como “a terra girou para nos unir neste sonho”.
Isso advém de um passado idílico e real, o sonho ainda existe; a união, não mais. É o que chamo de Gato Preto Cego, do qual um senhor abandonou numa rua sem alma. O gato cambaleava ao andar e esticava o pescoço na tentativa de compreender o que estava ao seu redor, foi a imagem que restou. Agora as ruas passam por você com uma brisa de indiferença e as pessoas não notam, então as ruas logo se transformam em becos sem iluminação. Alguém lambeu o polegar e com ele borrou teu nome escrito outrora na parede de um desses becos.
Tinham me prometido muitas coisas, mas nenhuma dessas coisas atingiu o concreto. O gato tateava o chão para saber onde se perdeu, em outro momento o sol queimava meus olhos, minha sombra e meu nome. Eu seguia me escorando pelos muros e me perguntando o que havia perdido. Foi ingenuidade acreditar que eu poderia adentrar num mundo de ruas iluminadas onde cada casa era pintada duma cor diferente. Mas nesse mundo, diferente do que me foi dito, as pessoas são individualistas e se vir a calhar de uma delas olhar em minha direção, será um olhar de desdém. E neste mundo eu não quero estar.
Ainda assim, não há nada que me tire a emoção de buscar todos os dias outras maneiras. De fato, O Gato Preto Cego se foi anos atrás, virou plano de fundo de alguma fotografia ou filme curto. Mesmo assim, nem o medo do céu ou do inferno me tira essa emoção de um mundo diferente onde caberá um gato e minha humanidade que, num pesadelo distante, havia sido estilhaçada.
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