Olá. Sou eu, Carla. A nômade, a verdadeira desafiadora do desconhecido. Não sei ao certo como vim parar aqui, ou mesmo a localização exata. Penando melhor após uma breve pausa, lembro-me de Navios mercantes. Aqui faz muito calor e não vejo árvores para me abrigar neste mar deserto, de areia fina e pedregulhos hostis. Então caminhei. Caminhei até chegar numa espécie de construção abandonada. Lá encontrei pessoas, pessoas diferentes com trajes diferentes falando numa língua que eu não compreendia. Todas mulheres. Havia uma única que conseguia me entender, perguntou gentilmente o que eu fazia ali, se estava perdida. Como minha mente ainda estava confusa, apenas mencionei um Navio mercante. A mulher sorriu e disse que certamente foram os romanos que haviam me trazido até ali.
“O nome da música também pode estar brincando com a ideia de divisões culturais: Rum é a palavra árabe clássica para romanos ou bizantinos – ou seja, não muçulmanos – e mais tarde tornou-se associada a cristãos e europeus de forma mais ampla.”
Cerca de uma hora se passou e eu já sabia que estava no Oriente Médio, no Líbano, com exatidão. E todas que estavam ao meu redor também já haviam deduzido que eu pertencia à América Latina. Por uns segundos, silêncio. Em seguida, as mulheres me estendiam os braços. Tratava-se de algo que não carecia de explicações, tampouco palavras; apenas gestos. Naquele lugar abandonado não havia portas e nem grades. Subi uma das escadas e comtemplei o cenário mais amplo, enquanto um pássaro dançava livremente no mesmo piso. Foi emblemático ouvir os versos de “Roman” que seguiam: “vermes esculpem meu corpo, e a terra abraça minha pele, como você pôde me vender para os romanos?”. Um lamento ecoando sobre a catástrofe histórica.
Nossas terras foram saqueadas, nossas riquezas exploradas e até hoje tentam nos domesticar. Quiseram arrancar nossas raízes, mas essas são profundas demais. Ainda assim, aos olhos frios dos tais romanos, somos meros animais. Aquelas mulheres me ensinaram a não ser subserviente da voraz aculturação dos países colonizadores. Ensinaram-me que a liberdade se veste, se contorna e se pinta de várias formas; assim como um cavalo que é livre para correr.
Mashrou’ Leila é uma banda de Rock libanesa, então, antes de ouvi-la, dispam-se de preconceitos e ideias de como uma banda de Rock deve soar. Lembrem-se: um instrumento musical irá encontrar harmonia com qualquer outro, seja de qual parte do mundo ele for. Ainda tenho uma nota antes de partir: o que escrevi foi fruto de um delírio após uma queda de pressão, nunca fui ao Líbano. Mas uma coisa é certa, a cobrança tem de continuar. Rebeldia, esperança e liberdade; já se tem por onde caminhar.
Material usado:
Songs We Love: Mashrou’ Leila, ‘Roman’.